Entrevista do
maior lateral-direito da história do Corinthians. uma pessoa extremamente
simpática, Sua história é contada de forma emocionada, valorizando ainda mais o
grande jogador que foi.
Você nasceu na cidade de Botucatu em
1949.
ZÉ MARIA: Aqui foi onde tive o prazer de começar nas
Categorias de Base da Ferroviária de Botucatu, em 1963. No ano de 66 subi para
os Profissionais e no final deste ano vim pra Portuguesa de Desportos.
Na época de
criança, você que é filho de pai corintiano, o Sr. Durvalino, já existia uma
influência daquele Corinthians dos anos 50, com Cláudio, Luizinho, Baltazar e
Gilmar?
ZÉ MARIA: Com certeza, me
lembro das revistas da Gazeta Esportiva que meu pai mostrava, no interiorzão
ouvia muito radio e a influência foi justamente desta forma, nós nascíamos e
meu pai punha o símbolo do Corinthians na frente para que pudéssemos aprender a
gostar e a torcer. Foi um início pra mim muito agradável, não esperava ser um
jogador de futebol, mas a influência corintiana veio desde criança.
Como você mesmo
disse, jogou na Ferroviária de Botucatu e, se não me engano, jogou antes no
Lajeado.
ZÉ MARIA: Eu nasci numa
fazenda, conhecida como Experimental do Café de Lajeado. Passei a minha
infância até os 13 anos, quando tive a oportunidade de ir pra cidade, onde fui
estudar como Técnico Industrial por quatro anos. Interior e cidade, onde tive
uma formação muito agradável, a educação foi prioritária, somos uma família de
seis irmãos, sendo que três deles foram jogadores de futebol, como o
ponta-esquerda Tuta que jogou na Ponte Preta, o Gil e o Marco Antônio, sendo
que o último teve o prazer de jogar no Corinthians, além do Tuta que também se
iniciou no clube quando era Juvenil.
Nesta época de Botucatu já jogava como
lateral-direito?
ZÉ MARIA: Não. Eu era metido a ser atacante. Na época o
jogador de futebol tinha que fazer gol pra aparecer. Fui descoberto como
lateral-direito na Ferroviária de Botucatu nas Categorias Infantis numa
brincadeira, faltou um jogador e o Tissão, que era o treinador, me colocou na
lateral pra quebrar um galho, pois havia muitos atacantes e praticamente foi o
meu início, dali não saí mais, disputei três Campeonatos Infantis, participei
no último ano como Juvenil, sagrando-se campeão e, no mesmo ano, fui Amador,
disputando o campeonato da cidade. Minha carreira foi muito rápida nas
categorias, disputei um ano na Primeira Divisão pela Ferroviária e, no final do
ano, a Portuguesa se interessou, pois soube de um neguinho de cabeça raspada
que jogava pela Ferroviária num jogo em Jundiaí contra o Paulista, fizeram o
convite pra mim treinar, vim com mais dois jogadores, o Nardinho e o Corvino,
fiz um contrato de três meses e voltaria em janeiro pra complementá-lo. Quando
voltei, o Augusto teve problemas, pra você ver como eu tive muita sorte na
minha carreira, pois era o lateral-direito, também jogou no Corinthians, com o
técnico Wilson Francisco Alves dizendo que “teria que lançar esse neguinho de
qualquer jeito”, com a Portuguesa se interessando por mim, indo a Botucatu me
comprar, tornando-me o lateral-direito do time e, graças a Deus, não saí mais.
Como foi a sua passagem pela Portuguesa de
Desportos, onde jogou por três anos?
ZÉ MARIA: Joguei praticamente três anos e meio, tive um
problema no final, quando o meu pai, como grande corintiano, nesse momento
muito difícil do Corinthians, na época do acidente do Lidu e Eduardo, com o
clube se interessando por um lateral-direito. Como eu tinha contrato com a
Portuguesa de Desportos, não pude ir. Quem veio foi o Miranda. Logo depois
dissera, que interesse no meu passe. Como meu pai cuidava das minhas
transações, falou que eu tinha contrato com a Portuguesa e não havia como eu
ir. O contrato terminou, meu pai tinha com o clube um compromisso pessoal e
verbal, que se surgisse uma oportunidade, a Portuguesa abriria mão. Aí o meu
pai começou a briga, pra eu vestir a camisa do Corinthians, dizendo que “se não
saísse agora, não sairia mais”. Ainda esperei um ano, pois foi em 1969. Em 70
eu fui pra Seleção Brasileira e, quando voltei, a negociação estava bem
adiantada, não houve a renovação com a Portuguesa, acabei depois de um período indo
para o Corinthians, o que foi a realização pessoal do meu pai e de mim também
como corintiano. Quando jogávamos contra o Corinthians, queríamos mostrar pra
ter oportunidade de jogar lá, atuando como um leão. Depois tive a sorte de
ficar treze anos, que foi uma honra e glória muito grande pra mim.
Quando você começou a jogar futebol como
lateral-direito, na época haviam dois grandes jogadores nesta posição que
jogavam, por coincidência, no futebol paulista, sendo muitas vezes escolhidos
na Seleção Brasileira de todos os tempos, que é o Djalma Santos (Palmeiras) e o
Carlos Alberto Torres (Santos). Eles tiveram alguma influência na sua carreira?
ZÉ MARIA: Bastante, principalmente o Djalma Santos. Na época
de Botucatu víamos os jogos em VT (vídeo tape), com o Djalma sendo um dos
jogadores que observava bastante. Tive a grande honra de participar da
despedida dele da Seleção Brasileira, em 1968, quando fui convocado pelo
técnico Aymoré Moreira e era o terceiro lateral-direito. Pela categoria , da
forma como marcava, me influenciou bastante e considerava-o um lateral
perfeito, principalmente na marcação. Depois tive a felicidade na Seleção de
ver o Carlos Alberto Torres, a experiência que passou pra mim foi muito
importante. Os dois me deram muita tranquilidade pra poder continuar a minha
carreira.
O Djalma Santos te influenciou mais na parte
defensiva e o Carlos Alberto Torres na ofensividade?
ZÉ MARIA: Na verdade o Carlos Alberto Torres, em 70, já estava modernizando, pois
também marcava muito bem, passando com facilidade pelo meio de campo. Pra mim
foi um aprendizado muito bom, pegando a experiência da colocação do Djalma e a
habilidade do Carlos Alberto pra frente, apesar de que eu não era um jogador
que ia muito pra direção do gol, marcava mais e procurava fazer jogadas na
linha de fundo para os atacantes, mas, mesmo assim, acabei fazendo alguns
golzinhos.
Falando de 1970, Copa do Mundo daquele ano, aquela
grande Seleção Brasileira que o Brasil montou, com você não jogando nenhum
jogo. Qual foi a sua sensação de estar presente neste grande evento que é uma
Copa e vendo o Carlos Alberto Torres jogando, por sinal, muito bem?
ZÉ MARIA: A Copa do Mundo de 1970 foi o início praticamente, tive a oportunidade
de conhecer grandes jogadores da época e era uma das melhores seleções. Foi uma
experiência muito grande, as orientações que eles nos passavam, a maneira de
comportamento, influenciando na sequência da minha carreira, principalmente na experiência.
Sou muito grato, porque eles chamavam a atenção dos meninos, pois haviam vários
jogadores com idade de 20 anos, como o Edu, Leão, Marco Antônio e eu. Foram
jogadores bastante influenciados por eles, na dedicação ao trabalho e a forma
como eles levantaram aquele caneco, que foi uma experiência maravilhosa.
Depois da brilhante conquista de 70, vocês
retornaram ao Brasil e, como já havia comentado, contratado pelo Sport Club
Corinthians Paulista, que era o seu sonho e do seu saudoso pai, o Sr.
Durvalino. Qual foi a sensação inicial de jogar no Corinthians, Zé Maria?
ZÉ MARIA: A princípio foi um sofrimento, porque voltei da Copa, estava aquela
briga de renovar ou não com a Portuguesa de Desportos e acabei voltando pra
Botucatu, ficando três meses treinando na Ferroviária, esperando um retorno do
meu velho. Um dia o meu pai me ligou, pedindo pra mim voltar à São Paulo, pois
parecia que a situação havia se tranquilizado, a contratação estava bem
adiantada, ele foi taxativo dizendo que “não jogaria mais na Portuguesa”,
falando que “se eu não fosse para o Corinthians, voltaria a ser torneiro
mecânico”. Felizmente as coisas se caminharam de forma bastante satisfatória. Na
época o presidente Wadih Helu e seus diretores tinham um interesse muito
grande, minha força e vontade eram ainda maiores de poder vestir a camisa do
Corinthians, com a coisa acabando acontecendo. No final de setembro
concretizou-se a contratação. No início de novembro estreei contra o Grêmio em
Porto Alegre, perdendo por 1 a 0. Foi uma decepção à princípio, pois saí com
pouco tempo de treinamento e acabamos perdendo. Pensei que “será que serei o
que muitos falam, que’ jogador que vem para o Corinthians’, acaba morrendo”.
Graças a Deus foi o contrário, me encaixei dentro da massa, pela minha forma de
jogar, com garra. Dali pra frente as coisas foram maravilhosas
Acho que o seu primeiro grande momento no
Corinthians foi naquele famoso jogo contra o Palmeiras, os 4 a 3 em 1971.
ZÉ MARIA: Aquele jogo marcou mesmo, houve muita disposição
do time, perdendo por 2 a 0 no primeiro tempo, voltando com gols do Tião,
Mirandinha e Adãozinho. Foi uma partida que ficou marcada na minha história e
do Corinthians também, uma virada maravilhosa. Temos que ter um lado de prazer
e não somente desgraça (risos).
Foi uma época difícil para o Corinthians, estava
muitos anos sem ganhar um título importante. Citei o Palmeiras, que tinha o Nei
na ponta-esquerda, um grande adversário.
ZÉ MARIA: Na época havia grandes pontas-esquerdas, o futebol
brasileiro era muito rico, não somente nos grandes clubes, mas também nas
equipes do interior, sendo que a maioria deles tinham jogadores muito bons
nesta posição. Eram muito habilidosos e inteligentes, como o Nei (Palmeiras),
Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Wilsinho (Portuguesa), Bozó (Guarani), Abel
(que revezava com o Edu). Era muito difícil, foi uma geração de grandes pontas.
Você tinha mais dificuldade de marcar pontas habilidosos
como o Joãozinho (Cruzeiro) e o Zé Sérgio (São Paulo) que iam pra cima ou os
que entravam pelo meio como o Mário Sérgio, Paulo César Caju e o Dirceu?
ZÉ MARIA: Todos eram difíceis, grandes jogadores, marcaram
muito, habilidosos e fintavam bastante. Mas eu sempre me dei bem. Tive muita
dificuldade, na verdade, com o Edu, pela inteligência, ia à linha de fundo e
não fazia firula, jogava bem objetivo, sendo que outros voltavam e driblavam. O
Nei, por exemplo, dava muito espaço. Foram jogos difíceis, me ajudando muito,
fazendo com que eu pudesse ser convocado à Seleção Brasileira nos anos de 1974,
77 e 78, em função de ter feito um bom trabalho marcando esse pessoal.
Antes da Copa do Mundo de 1974, você já vinha de
uma sequência de partidas pela Seleção Brasileira, tanto que depois de 70
ganhou a Copa Roca no ano seguinte e a famosa Taça Independência de 72. Acho
que em 74, em questão de disputar uma Copa, tenha sido o seu ápice na Seleção.
ZÉ MARIA: Eu praticamente dei muita sorte, desde 1968, participei
das Eliminatórias em 69, no ano seguinte fui reserva do Carlos Alberto Torres,
em 72 joguei a Copa Independência e na Copa do Mundo da Alemanha foi a grande
oportunidade, fizemos a excursão no ano anterior e me firmei como
lateral-direito titular. Infelizmente em 74 o resultado não foi aquilo que
esperávamos, chegando até as semifinais, mas tratou-se de uma experiência
definitiva, participando dos jogos, sentindo a força das partidas numa Seleção
Brasileira, sendo muito importante pra mim, agradável ao extremo, tínhamos uma
equipe muito boa e minha participação também foi.
Por sinal vocês perderam justamente para aquele que
era considerada a melhor equipe da Copa, a Holanda de Cruyff e Neeskens.
ZÉ MARIA: Na verdade foi uma Copa bastante irregular. A
nossa Seleção era muito boa e neste jogo contra a Holanda acabamos saindo da
final, que seria contra a Alemanha Ocidental. Foi aquele jogo que não
acreditamos, pois tínhamos um potencial muito forte, tivemos grandes
oportunidades de definir no primeiro tempo, com a Holanda acreditando muito
mais, achando que o futebol brasileiro não era tudo aquilo, fazendo dois gols
meio espíritas depois da expulsão do Luís Pereira. Não foi uma decepção, pois
acho que tivemos uma participação bastante razoável.
Nesta Copa, a princípio, você disputava a posição
com o Nelinho. Ele foi o titular em1978 e você não foi por causa de uma
contusão. Havia alguma rivalidade entre vocês dois?
ZÉ MARIA: Não, pelo contrário, aprendi muito em 1970 com o
Carlos Alberto Torres, mas quem não quer ir pra Seleção Brasileira e participar
de um jogo? O grande exemplo de 70 foi dos próprios jogadores, a participação e
união que havia, uma Seleção em que os atletas que estavam na reserva, acabavam
torcendo para não acontecesse nada ao que estava jogando, de tanto que era a
harmonia e amizade que existia. Levei isso também pra 74, com o Nelinho e eu
disputando a posição em igualdade de condições, pois ele era um grande jogador,
tanto que jogou os três primeiros jogos, porque tive uma lesão e voltei contra
a Alemanha Oriental. Nós torcíamos um pelo outro e foi muito gratificante. Em
78 tive uma lesão no joelho, acabei sendo cortado às vésperas da viagem à
Argentina, tanto que o Nelinho se apresentou no último jogo antes de ir pra lá.
O Toninho e eu éramos os laterais-direitos. Eu vinha de uma fase muito boa, mas
infelizmente a contusão me tirou daquela Copa.
O Nelinho, por sinal, fez uma bela Copa em 1978.
ZÉ MARIA: Era um grande jogador. Eu tinha medo de perder a
posição por causa de alguma contusão nas competições, pois tinha certeza que,
se ele entrasse, seria muito difícil reconquistar a posição, porque o Nelinho
era um jogador versátil, vindo da evolução do futebol moderno, tinha muita
facilidade pra bater na bola e ia com mais facilidade para o ataque, pois era
um lateral-direito que ameaçava muito.
Após a Copa do Mundo de 1974, você retorna ao
Corinthians. Talvez, nessa fila, tenha sido a maior oportunidade do clube ser
campeão, disputando a final do Campeonato Paulista contra a Sociedade Esportiva
Palmeiras, com 120 mil pessoas no Morumbi, sendo que 100 mil era corintianos,
com o Rivellino, o grande jogador da época, sendo injustamente afastado do time
por não conquistar o título. Vocês achavam que poderiam ganhar? O que aconteceu
antes e depois da final de 74?
ZÉ MARIA: Essa é a história mais decepcionante da minha vida
profissional, tanto que nem gosto de recordar pela circunstância que foi, a
ansiedade e a expectativa que se criaram naquela final e acabou não levando
aquele campeonato. É duro justificar o que não ganhamos, mas acho que foi muito
mais pelo lado emocional. Aquela saída que fizemos para Água de Lindóia pra
aguardar a grande decisão tirou aquela ligação da torcida conosco e acabamos
nos dando mal. Foi uma das piores derrotas que tive na minha vida, não podendo
dar um título ao Corinthians, que era algo tão almejado.
Começa 1975, com o Corinthians tentando se refazer
deste título não ganho. Chega 76 e no Campeonato Brasileiro aconteceu um
histórico jogo, que foi o da invasão no dia 05 de dezembro daquele ano, com o
Corinthians há tanto tempo não ganhando, mas mesmo assim a torcida não parou de
crescer, invadindo o estádio do Maracanã, com você, por sinal, fazendo o gol da
vitória nas disputas por pênaltis. O que foi 1976 pra você, Zé Maria?
ZÉ MARIA: Foi uma das façanhas históricas do Corinthians e do
futebol brasileiro, tanto que até hoje quando vou para o Rio de Janeiro e me
encontro com algum ex-companheiro, como o Paulo César Caju e o Jairzinho, eles
falam que, como em 1976, nunca mais. Acho que foi a única invasão que teve no
Brasil de torcida no campo adversário. Criou-se uma expectativa em torno
daquele jogo, porque poderíamos ir pra final. Acho que o Vicente Matheus foi
muito inteligente naquela briga que teve com o Francisco Horta pela televisão e
pelo radio. O Horta dizia que a Dutra seria a Rodovia das Lágrimas e o Matheus
falou que seria das Flores, com aquelas tiradas dele. Mas foi um negócio
sensacional, acabamos vendo depois através da televisão e documentários, porque
estávamos concentrados, que fizeram algo extraordinário. Não invadiram somente
o estádio do Maracanã, mas também o Rio de Janeiro, suas praias e o hotel que estávamos
hospedados, sendo que aí percebemos que teriam muitos torcedores corintianos
quando descemos para o almoço, pois havia uma galera jamais vista. Houve a
participação de outras torcidas, com flamenguistas e vascaínos ajudando
bastante, mas foram mais de 70 mil corintianos. Algo formidável.
É até interessante você comentar isso, porque as
vezes existem comentários dizendo que a invasão da torcida não aconteceu, que
não foram tantos corintianos para o Rio de Janeiro, que a maioria era de
torcedores do Flamengo, Vasco e Botafogo, engordando a Fiel Torcida. O que você
pensa disso?
ZÉ MARIA: Eu acredito que havia muitos torcedores de outras
equipes que queriam ver a derrota do Fluminense. Mas a massa que saiu de São
Paulo e de todo o Brasil praticamente, foi um negócio impressionante, porque
víamos carros de todos os lugares após a saída do estádio, placas de várias
cidades do interior. Houve sim a participação de outros torcedores, mas a
grande torcida era a corintiana, de pessoas que vieram também de fora pra ver
aquele jogo, que foi um marco, com vinte e tantos anos sem ganhar um título
importante, ganhando do Fluminense no Rio de Janeiro pra depois decidir com o
Internacional. Foi uma invasão indescritível.
E a derrota para o Internacional foi tão dolorida
como em 1974 contra o Palmeiras?
ZÉ MARIA: Talvez nem tanto, porque contra o Palmeiras a
expectativa era muito maior. O Internacional se precaveu, sabendo o que tinha
acontecido no Rio de Janeiro, criaram problemas, sabendo à noite no hotel com
aquela guerra de torcida. Mas o resultado em si não foi tão insatisfeito pra
nós, porque sabíamos que eles tinham um grande time, jogavam em casa e era
somente um jogo, deviam ganhar e foi o que aconteceu, acabamos tomando um gol
numa bobeira nossa, em um vacilo de uma bola parada, com o Dario fazendo o gol
de cabeça. Depois teve aquele gol que a bola acabou batendo na trave e entrou,
com nós tentando fazer uma situação para o juiz mudar. Infelizmente o Inter foi
superior.
1977 começando e mais uma vez a torcida corintiana
esperando para, quem sabe, ganhar este título que desde 1954 não consegue. O
Corinthians começou disputando a sua primeira Libertadora da América, que não
tinha na época o mesmo valor de hoje. Chega também uma pessoa muito importante
na história do clube, que é o técnico Oswaldo Brandão. Não farei perguntas, mas
apenas perguntarei o que foi 77 pra você, Zé Maria?
ZÉ MARIA: Foi uma sequência de 1976, vínhamos daquele
Campeonato Brasileiro que não conquistamos, tivemos uma participação meio que
tenebrosa na Libertadores e, quando o Oswaldo Brandão chegou, tornou-se
praticamente o nosso pai, moralizou a equipe do Corinthians, a nível de também
de direção, conseguindo fazer um trabalho coletivo, trazendo o Vicente Matheus
pra si e junto com o professor Teixeira a o João Avelino, que era o seu
assessor, conseguiu fazer com que chegássemos àquela final. Foi um campeonato
muito difícil, quase saímos fora nas últimas partidas e depois sobrou a Ponte
Preta. Aí foi algo indescritível pra quem participou, marcando muito a minha
vida aquela conquista. Até hoje somos lembrados em função de 77, sendo
importante a participação do Brandão, o seu espírito, a sabedoria do Matheus
também e a vontade que o grupo tinha, não era um grande time, tecnicamente
éramos inferiores à Ponte, mas era uma equipe de muito brio, com o Brandão
trazendo a torcida pra nós. Acho que se tivessem mais jogos, jamais perderíamos
o último. Tivemos o primeiro jogo e depois perdemos o segundo.
Nesta segunda partida havia mais de 150 mil pessoas
no Morumbi.
ZÉ MARIA: Estava lotado. E teve o jogo final, que a
superioridade do Corinthians na vontade, com a torcida empurrando, faríamos
quantos jogos fossem precisos, mas não perderíamos pra Ponte Preta, porque o
time estava com muita disposição, com o Brandão mentalizando a equipe, os
espíritos todos que ele trouxe e na base da garra fizemos uma grande partida e
felizmente o Pé-de-Anjo Basílio fez um gol que praticamente nos consagrou,
tanto que a comemoração, vibração e o carinho que tivemos foram muito maiores
que a chegada da Copa do Mundo de 1970, que eu estava no grupo e, por não ter
jogado, não foi aquilo que eu esperava. Agora 77 foi um negócio estrondeante,
marcou e marca até hoje, eu morro feliz porque participei desta conquista.
Por sinal o gol de Basílio começou contigo cobrando
uma falta.
ZÉ MARIA: Foi uma felicidade ter saído pelo lado direito com
a oportunidade de fazer um cruzamento, que era uma jogada que ensaiavam mais
com o Vaguinho e o Geraldão, mas naquele bate e rebate, com o Wladimir também
tendo oportunidade de fazer o gol, sobrando para o Basílio. Era o destino que
ele faria o gol tendo uma felicidade e entrar pra história.
Você falou do Wladimir, que era o lateral-esquerdo
do Corinthians, jogando muitas partidas contigo. O que falar dele?
ZÉ MARIA: O Wladimir ainda é um moleque, mais novo do que eu
(risos), mas a sua humildade fez que chegasse onde chegou. É o jogador que mais
jogou partidas pelo Corinthians, o vi começando quando o técnico Yustrich deu a
oportunidade pra ele, sempre mantendo a regularidade desde quando começou a treinar
até o final. Uma pessoa maravilhosa, mas acho que ele tem uma pequena decepção,
de não poder participar de uma Copa do Mundo, pois pra mim foi um dos grandes
laterais, sendo que o ala eu já não comparo tanto.
O Corinthians é campeão em 1977, tranquilidade no
Parque São Jorge e no ano seguinte chega um jogador muito importante na sua
história, que foi o Sócrates, chegando por sinal na época certa, pelo seu
estilo de jogo e jeito de ser. Já em 79, mais uma final, novamente com a Ponte
Preta, sendo que no primeiro dos três jogos aconteceu algo também marcante,
pois parece que o seu supercílio estourou, deixando a sua camisa branca
corintiana cheia de sangue e você foi ovacionado pela Fiel Torcida. O que
significou isso pra você?
ZÉ MARIA: Depois de 1977 houve uma calmaria, saindo aquele
peso e, com a vinda do Sócrates, entrosando-se com o Palhinha, chegando outros,
o time ficou mais reforçado e tranquilo para as competições. Mas também foi um
campeonato dificílimo, conseguindo a classificação em Ribeirão Preto num jogo
de vida ou morte. Também foi uma partida que me marcou, pelo meu espírito,
minha vontade de querer jogar, tive um acidente com o Juninho numa cabeçada e
abrir o supercílio. O doutor Léo queria me tirar do jogo, porque achava que era
impossível pra mim continuar, mas com aquela vontade que eu tinha, queria
jogar. Fizeram um curativo e voltei pro jogo no segundo tempo, mas acabei não
terminando. Saí com a camisa ensaguentada de fato, porque a vontade de
conquistar mais um título e aí veio essa ovação por parte da torcida, algo tão
gratificante que jamais esquecerei, com o reconhecimento e aplauso, mas enfim,
ter tido aquilo por querer ganhar o jogo, participar da final e me sinto
orgulhoso por poder sair de campo com a camisa cheia de sangue e tentando dar
mais alguma coisa pra nossa equipe.
Década de 80 começando, Zé Maria é Campeão Paulista
em 1979 pelo Corinthians, em breve encerraria a carreira, mas também passou por
outra grande emoção no clube, porque em 82 surge o movimento da Democracia
Corintiana, tendo como principais líderes o Sócrates e o Wladimir. Na época
você não era o titular absoluto, pois havia chegado o Alfinete pra disputar a
posição contigo. O que dizer deste outro grande momento da história do
Corinthians?
ZÉ MARIA: Foi um momento histórico, inédito, com a postura
que os jogadores tomaram, liderados pelo Sócrates e o Wladimir, que eram
bastante dinâmicos e com a presença do Adílson Monteiro Alves, que também foi
um dos grandes idealizadores da renovação da direção do Corinthians como
diretor de futebol, trocaram idéias para avançar, surgindo o processo
democrático, que veio junto ao nacional com o movimento das Diretas Já,
acabamos sendo fortalecidos por este grupo e buscamos algumas reivindicações
dentro do próprio clube. No primeiro momento não foi muito bem aceito pela
forma como foi sendo colocada, mas depois os jogadores acabaram aderindo,
achando que era um processo válido que mudaria a rotina do Corinthians e do
próprio atleta, sendo que os questionamentos iniciais achavam que eram
absurdos, mas depois viram que deram resultados. No início foi difícil, porque
você não muda uma situação da hora pra outra, mas, com os resultados,
conseguimos levar este processo adiante, as concentrações não foram banidas
porque os jogadores se conscientizaram que era importante por responsabilidade
e criamos alguns objetivos. Esse movimento foi muito bom pra deliberar
situações, pois o jogador era praticamente um funcionário que entrava pelas
portas do fundo e saía por lá. Com esse processo, a coisa se abriu, podemos
conhecer melhor o clube e o conselho, com os diretores também abraçando a
idéia, vindo junto o próprio torcedor. Tudo depende do resultado, mas foi um
movimento bastante válido em todos os sentidos, com o processo continuando e os
resultados vieram, sendo que infelizmente acabou quebrando, mesmo assim foi um
avanço muito grande que teve no esporte brasileiro, começando com a Democracia
Corintiana, que vemos hoje nos clubes e na Seleção Brasileira parte daquele
movimento, como nas concentrações, da deliberação de uma série de coisas que não podia. O
jogador tem que ser responsável, acho que criou um processo de responsabilidade
da qual foi entendida pelo treinador da época, o Mário Travaglini, as conversas
eram bastante agradáveis, houve uma participação muito maior do jogador na
dinâmica que o técnico fazia e também dentro do campo. Foram resultados
maravilhosos que conseguimos.
Os resultados foram muito bons, não somente nas
questões políticas, mas também nas sociais, com o Corinthians sendo Bicampeão
Paulista em 1982/83. Neste último ano, no Campeonato Brasileiro, você foi
escolhido pra ser técnico do time, através de uma votação, que era muito comum
naquele elenco da época. Qual foi a sua experiência como treinador do
Corinthians?
ZÉ MARIA: Foi uma experiência bastante válida, pois o
jogador jamais pensa em ser treinador quando está jogando. A forma com eles me
colocou como técnico foi gratificante, até pelo reconhecimento do meu
comportamento, da minha postura e havia sido capitão do time durante vários
anos. Enfim, é uma responsabilidade muito grande, senti isso na época, sabia
que teria dificuldades, mas houve uma boa ajuda de todos eles para que
pudéssemos fazer um final de campeonato muito bom. Pra mim foi um prêmio, pois
foi o início do meu término de carreira, fui treinador e não poderia mais
jogar, acabei tomando a decisão depois de encerar e, por mim, encerraria no
Corinthians, mas eu tinha um compromisso com o meu velho de jogar em Limeira,
fazendo alguns jogos pela Internacional em 1984/85, mas praticamente encerrou
depois da minha participação como treinador.
Por sinal, depois da fase de treinador no
Corinthians, jogou algumas partidas e tem uma frase sua muito famosa, acho que
dita no seu jogo de despedida, dizendo que “estão tirando um pedaço de mim”.
ZÉ MARIA: Foi exatamente o que senti quando me deu aquele
estado, eu estava no banco, entrei e falei que achava que era o meu último
jogo. Decidi na hora, tanto que o pessoal falou que não era possível, sofri
muito, fiquei dias e dias pensando que besteira tinha feito, sair daquela
forma, mas achava que, se errasse ali, jamais jogaria em outro time. Pra mim
foi alguma coisa que tirou e até hoje carrego um pouco disso, de poder ter
ficado mais tempo jogando, mas dentro de mim sinto que continuo torcedor.
Encerrada a carreira, você buscou outras opções a
vida, que foi ser vereador. Como foi essa nova experiência?
ZÉ MARIA: Foi praticamente uma consequência do processo
democrático, com o Adílson, que era envolvido com o Caio Pompeu de Toledo, que
era na época Secretário de Esportes, surgindo aí um convite pouco antes das
eleições, filiaram-me pouco que meio contra a minha vontade, pois não tinha
nada de político, mas era jogador de futebol e acabaram nos envolvendo. Com
certeza foi a grande massa corintiana que me elegeu, pela minha forma de ser,
sendo eleito vereador de São Paulo, uma experiência nova na minha vida, aprendi
muito com os grandes políticos que lá existiam, como o Mário Covas e depois o
Jânio Quadros, além de uma gleba de vereadores importantes, aprendendo também
que ali não era o meu lugar, foi só um mandato e vi o outro lado do muro.
Depois encerrei, acabei fazendo um trabalho social em escolinhas de esportes do
Estado e hoje praticamente continuo trabalhando na mesma área, prestando
serviços na Fundação Casa, a antiga FEBEM, faço supervisão e coordenação de
esportes em todo o Estado de São Paulo, tentando dar uma oportunidade a esses
jovens, mostrando um pouco da nossa experiência, que não se ganha na vida pela
mão, tendo que ter muito trabalho e suor, dando umas palavras de boas maneiras,
pois infelizmente pegaram o caminho errado.
Estamos praticamente encerrando a entrevista para o
Blog . Farei algumas perguntas em relação a alguns jogadores,
sendo um da sua época e outro que foi posterior. Quando você estava pra
encerrar a carreira, havia um lateral-direito muito bom, que era o Leandro.
Perguntarei também do último grande jogador da sua posição, pois na
lateral-esquerda surgiram muitos grandes valores, sendo que na sua posição de
lateral-direito foram poucos, citando o Jorginho e o Cafu. O que dizer de
Leandro, Jorginho e Cafu?
ZÉ MARIA: Tive a oportunidade de conhecer o Leandro quando
praticamente estava parando e ele jogava o futebol moderno, um jogador que se
adaptou bem a este sistema de ala, que se criou essa função com o sumiço dos
pontas, que vinha antes com o próprio Cláudio Coutinho, adotando o overlap que
ele inventou, uma criação para que o lateral passasse e pudesse ter o poder
ofensivo. O Cafu foi o grande lateral-direito das duas últimas décadas,
levantou a taça da Copa, um jogador que também tinha facilidade em chegar ao gol
adversário, marcando muito, acho que nesses últimos anos é o que mais de
destacou e marca ainda hoje, pois não veio substituto à altura dele.
E o Corinthians, Zé Maria? Coincidentemente agora
são mais de 20 horas, dia 31 de agosto de 2011, hoje terminou o centenário do
clube e amanhã já serão 101 anos. O que representa o Corinthians nesses 100
anos de história?
ZÉ MARIA: Essa nação corintiana não tem o que dizer da força
que tem lá. Eu fico muito feliz vendo a situação do Corinthians, o clube se
abriu, o Ronaldo tem esse peso muito grande nessa virada, trazendo a
modernização. O presidente Andrés Sanches foi uma dádiva, implantando boas
idéias, sendo que na minha época de jogador também havia, mas o Matheus era
muito fechado para abrir a porta aos grandes corintianos ajudarem. Hoje é
totalmente diferente, é um dos maiores clubes do Brasil, por sua estrutura e
organização, pela forma como ele mostra a sua existência, o clube cresceu
depois deste processo do centenário e sem dúvida atualmente não perde pra
nenhum destes grandes clubes da Europa. Oxalá agora podemos ter o nosso
estádio, o que será a concretização dessa história que com certeza virão muitos
títulos.
História essa que você tem muita importância, sendo
sempre eleito o lateral-direito do Corinthians de todos os tempos, mesmo tendo
antes outro grande jogador, que foi o Idário, nos anos 50, mas você é o quarto
jogador que mais jogou pelo clube, atrás apenas de Wladimir, Luizinho e do
goleiro Ronaldo. No almanaque do Celso Unzelte (segunda edição) constam 599
partidas, mas farei bonito, arredondando pra 600 jogos vestindo a camisa do
Corinthians. Parabenizo-o por sua história neste clube, obrigado pela
entrevista e, mais uma vez, parabéns!
ZÉ MARIA: Muito obrigado. Pra mim foi uma honra, será
eternamente gratificante poder ter dado uma contribuição para esse clube
crescer tanto como está hoje, além de outros jogadores que não são muito lembrados,
sendo que todos participaram dessa história. Eu fico feliz em poder ter deixado
a minha marquinha e essa lembrança que você faz me gratifica bastante. É
gostoso ser corintiano e se Deus quiser continuarei sendo, ganhando ou
perdendo, sempre corintiano.